Sobre os 40

Estou ausente do blog há muito tempo, não me tem apetecido escrever, e aquilo que escrevo tem sido apenas para consumo interno.

A pedido de várias familias (mentira, foi apenas uma), volto a tentar ordenar em letras e frases com mais ou menos sentido aquelas coisas que vivem dentro de mim.

Este ano fiz 40. E o meu dia de anos acabou por ser uma mostra de generosidade e carinho vindas diretamente de corações que nunca teria suspeitado suspirarem assim por mim. 

Mas cheguei aos 40 e doeu bastante, doeu muito por me sentir longe de quem eu gostava de ser, distante de onde eu gostava de estar... E, ao mesmo tempo, olho ao espelho, apesar de todos os cabelos brancos, não reconheço 40 anos neste corpo. 

Reconheço as noites sem dormir: aquelas perdidas a pensar no meu primeiro amor, as de conversa com a minha melhor amiga, as do Bairro Alto ou das semanas académicas, as de estudar para matemática e até as de aguardar a resposta do emprego. Se olhar com cuidado reconheço também as noites sem dormir na ansiedade de esperar que ela nascesse, ou do desconforto da barriga enorme, das mudas de fraldas e do dar de mamar, das febres e dos dentes. 

Mais marcadas vejo as noites passadas a chorar, essas deixam vestigios maiores, chorar com medo do amanhã, com saudades do que nunca foi e desejos do que poderia ter sido.

Há ainda vestigios das noites sem dormir em que te observo, em que fico a olhar para ti, a ver-te dormir e saber-me feliz por estar ao teu lado.

Não reconheço 40 anos neste corpo, mas se olhar com cuidado reconheço a cicatriz daquela queda quando tinha 2 anos e a minha mãe me levou ao colo para casa, até vejo bem o sitio da perna que dói quando ando mais um pouco e o braço que já não chega onde antes chegava.

Consigo ver as costas dobradas de a carregar a dormir até casa, a ela, e mais as mochilas e mais os sacos de supermercado, vejo os ombros dobradas pelo peso do mundo que carrego, pelas contas por pagar e as obras para fazer em casa e o tempo que não chega para tudo e o dinheiro que não chega para nada.

Não reconheço 40 anos neste meu corpo, corpo este que na verdade não reconheço como meu.

Quando olho ao espelho também vejo marcas de dias felizes, dos gelados, das viagens, dos abraços. Do dia em que ela nasceu, dos dias que foram só nossos, dos momentos de amores felizes e das horas eternas de aninhar-me ao teu lado.

Não reconheço 40 anos. Não foi isto que imaginei para mim aos 40. Não estou onde queria estar. 

Estou onde estou. Estou contigo. Estou com ela, nesta minha familia que de pequena se torna grande com a generosidade dos corações que vivem connosco e que por-nós-e-em-nós suspiram.


Disclaimer: eu não estou a dizer mal da minha vida, estou a penas a afirmar que não foi esta a vida que imaginei para mim.

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